Somos uma Comunidade de Aprendizagem

Nosso espaço físico está em fase de reabertura e abrimos nossas portas para todas as pessoas do nosso entorno para apresentar a nossa proposta e algumas dessas pessoas, amigas e conhecidas vindas de um paradigma escolarizado, me disseram que nosso espaço parecia um clube e este foi o tema que quis trazer para as reflexões de hoje.

Pessoas escolarizadas confundem liberdade de escolhas com falta de comprometimento e não conseguem perceber a sutileza da aprendizagem livre. Liberdade requer comprometimento, transparência, compromisso com a própria palavra e a construção de acordos nítidos e construídos por todas as partes envolvidas, isso inclui compartilhar com as crianças a responsabilidade em zelar pelo espaço e pelas relações e se comprometer verdadeiramente com estes acordos sendo adulte ou criança.

Estar na natureza em um ambiente descontraído onde não há obrigatoriedade e regras e aparentemente as pessoas se encontram em estado de relaxamento, leva algumas pessoas a achar que aqui é um clube ou um lugar onde as pessoas vêm apenas nos dias de festa ou de descanso, porque é o paradigma de aprendizagem no qual foram convencidas a acreditar.

Isso porque o nosso viver diário no ALC Nature está mais próximo do que chamam de festa ou momento de lazer do que o que consideram trabalho.

A partir de uma perspectiva escolar, as crianças todas sentadas e/ou enfileiradas prestando atenção em um adulto, quietas, sem poderem se falar ou se mexer, todas fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo, uma seriedade desconcertante pairando no ar, provas, castigos, punições, gritos, cadernos, quadro negro, bullying, sinal, apito, etc…Isso é o que a maioria das pessoas têm em mente quando pensa em escola.

Nosso centro de aprendizagem convida as pessoas a se moverem espontaneamente para onde seus corpos e mentes as levarem, a criatividade, a espontaneidade, a inspiração, a criação precisam de espaços de vazio e auto descoberta para acontecerem e não há espaço melhor do que a natureza para essas conexões internas ocorrerem. Complementando, o espaço precisa estar permeado de pessoas comprometidas com uma busca por resgatar a autodireção, refletir sobre a colonização que determina nossa cultura, desescolarizar nossas mentes e ter um olhar profundamente respeitoso pela infância e pela liberdade de aprender e florescer compreendendo a co-responsabilidade como fundamental nessa construção coletiva compartilhada. Valorizando o encontro, a conexão, o viver compartilhado como o lindo e grande processo de aprender da vida. Aprender para a evolução planetária, aprender para um bem maior.

Aqui no ALC Nature poderíamos ter uma situação de foco centrado quando alguém estiver brincando de estátua, jogando Ninja ou Among Us, ou quem sabe explorando algum bichinho da natureza, esses realmente causam um fascínio que atrai um foco atento e presente das crianças sem ninguém precisar exigir delas que se concentrem, a disciplina é autodirigida.

Dificilmente vamos encontrar todas as crianças fazendo a mesma coisa enfileiradas, ou todas as pessoas fazendo a mesma coisa, aliás aqui nem temos carteiras. Muitas vezes as crianças estarão fazendo algazarra, brincando de correr ou subir em árvores, ou explorar as pedras do rio ou quem sabe jogando um jogo de tabuleiro, algumas podem estar cavando a terra para explorar tesouros e fazer esculturas de argila e a todo momento surge um novo desenho espontâneo que vai preenchendo o espaço. No meio do dia podem participar de um plantio de bananeiras espontâneo, além de ajudar a construir novos bancos para o espaço e interagir com pessoas de todas as idades e culturas, depois da chuva brincar na poça de lama, aprender a acender o fogão a lenha ou a preparar uma fogueira, alimentar os cães e também ajudar nas tarefas de limpar, servir, organizar e no fim do dia poder deitar na rede e ficar admirando o baixar do sol reluzindo nas árvores ou indo se refrescar nas águas geladas do nosso rio abençoado que corre limpidamente atrás de nosso espaço.

E por que as pessoas escolarizadas têm dificuldade em perceber a liberdade? Algumas delas ficam realmente chocadas quando vêem nossa maneira de organizar o espaço e nos relacionar com as crianças, com leveza, escuta profunda e equidade. Reconheço que essas pessoas se preocupam verdadeiramente em ensinar para as crianças sobre disciplina e trabalho duro, porque foram educadas a partir dessa perspectiva e realmente acreditam que este é o melhor caminho, porque é o único que conhecem. Em suas mentes há um juiz severo instaurado, dialogam internamente consigo mesmas com castração, falta de confiança, culpa. O sistema de punição e recompensa torna as pessoas escravas de suas próprias falsas vontades.

O trabalho, a produção, a seriedade, a falta de sensibilidade, isso é um paradigma existencial, não significa propriamente que as pessoas são más ou frias por natureza, mas é assim que o mundo está posto e é o sistema de educação escolarizada universal (além de outros mecanismos) que coloca as pessoas a se comportarem dessa maneira.

Esse chip comportamental é implementado na infância, quando somos bem pequenos e aí passamos a acreditar que a vida funciona assim e lidamos internamente conosco mesmas como generais impiedosas e autoritárias e lidamos assim com as pessoas porque é assim que aprendemos e aparentemente é o que está posto no mundo.

As relações são baseadas em coerção, poucas relações são verdadeiramente espontâneas e sinceras porque as pessoas perderam a espontaneidade, não sabem mais como viver com impecabilidade. E o que têm se estabelecido como prática pedagógica na cultura escolar está mais para violência escancarada e falta de embasamento científico do que prática educativa.

A humanidade está adoecida e claro que precisamos olhar para a maneira como estamos concebendo a infância, como lidamos com nossos seres em expansão e desenvolvimento (as crianças). Refletir sobre isto e mais ainda, buscar corajosamente enfrentar as práticas abusivas com as quais estamos lidando e nos posicionar a favor da infância e do desenvolvimento humano saudável em plenitude e respeitando a sua liberdade e direito à autodireção.

Por conta de nossa cultura não aprendemos a escolher, porque não fomos permitidos a olhar para nossa essência, a ir em direção aos nossos verdadeiros anseios da alma, que nos levam para a inteireza e plenitude.

Nossa Educação não está voltada para atender aos anseios da alma, ela está construída e estabelecida para manter o capitalismo e a ordem hegemônica de colonização. Esses comportamentos, mesmo que não sejam intencionais, não deixam de ser nocivos, fazem mal para o bom desenvolvimento da integridade dos seres.

No ALC estamos comprometidos em olhar para essas sombras culturais, acolher, ressignificar e reconstruir, porém este processo não é algo que não acontece de uma hora para outra, como mágica,não existe uma fórmula pronta, um manual de instruções. Estamos há muitas gerações sendo condicionades por um tipo de comportamento e transmutar esses padrões também é algo a ser construído coletivamente.

Portanto para algumas pessoas que só conhecem o paradigma do enfileiramento, da produção industrial, aprisionamento das mentes e corpos, chegar em um espaço de aprendizagem livre mais parece com chegar em um clube, mas qual é o problema deste tipo de compreensão?

O problema é que num clube não existe comprometimento algum com o que está sendo construído neste espaço, as pessoas vão para se divertir, aproveitar o tempo e não tem interesse em construir algo juntas e nem estão voltadas para o desenvolvimento e aprimoramento humanos, não estão comprometidas com o cuidado mútuo, com uma escuta atenta e profunda e voltada para o pleno desenvolvimento das pessoas que estão envolvidas com esta proposta.

Então, para alguns visitantes pode parecer um clube, mas definitivamente somos um centro de aprendizagem que reconhece que para aprender as pessoas precisam se sentir livres, relaxadas e seguras para expressarem livremente seus dons e habilidades e também manifestar seus erros e desenvolver aprendizados a partir de uma construção segura e respeitosa com as sombras e virtudes humanas que compõem quem somos em humanidade.

Portanto nossas portas estão abertas para pessoas verdadeiramente comprometidas em construir uma comunidade de aprendizagem co-responsável, comprometida com a transparência, equidade, liberdade e respeito à autodireção individual de todos os seres independente da idade, quem está procurando um clube vai precisar se dirigir para outro endereço.

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